sexta-feira, 1 de maio de 2009

Dizem as estatísticas que, nos dias que correm, cerca de metade dos casamentos termina em divórcio…
Das duas, uma: ou são pessoas que não estavam preparadas para a vida em comum, vida de casado, ou são pessoas que, afinal, descobriram que não se conheciam tão bem quanto julgavam…
Um outro dado, ainda segundo as estatísticas, é o de que se casa cada vez mais tarde. Se, umas décadas atrás, o princípio da vida em comum se dava por volta dos vinte anos, já hoje, é mais perto dos trinta que isso acontece.
Cruzemos, agora, as duas coisas. As pessoas estão a casar mais tarde, o que, supostamente, proporcionaria maiores condições de maturidade a cada um dos cônjuges, por um lado, e, por outro, mais tempo para se poderem conhecer melhor, mas, ainda assim, divorciam-se mais! Alguma coisa vai mal no reino da Dinamarca… ou, para ser mais rigoroso, algo está podre…
Hoje, as pessoas têm melhores condições para avaliar bem uma das mais importantes decisões da sua vida, mas nem por isso parecem ter grande sucesso. Pode pensar-se que haverá inconsciência, haverá falta de comprometimento verdadeiro, haverá ligeireza… Pode pensar-se em se culpar a imaturidade, o egoísmo, o hedonismo em que nos deixamos envolver enquanto sociedade… Pode acusar-se a nossa época de, aparentemente, estar a formar adultos cada vez mais infantilizados… Tudo isto pode servir de justificação razoável. Há um ponto, porém, que nem sempre é facilmente reconhecido e que, muitas vezes, passa ao lado das reflexões mais comuns. Um erro em que cada vez mais se cai e que nem sempre é devidamente valorado: aprendemos a amar e amamos a outra pessoa mais pelo que ela aparenta corresponder aos nossos padrões de exigência e de expectativa, mas aprendemos a amar e amamos menos pela relação que estabelecemos com a outra pessoa. Ou seja, valorizamos mais alguém por vir ao encontro de um ideal nosso e menos a relação que efectivamente temos com esse alguém.
Todos temos um ideal de parceira ou parceiro. Coisas como (e sem qualquer ordem especial) ser bem sucedido, ter boa reputação, ser famoso, ter dinheiro ou posses, ser bonito ou atraente, ter um bom coração, ser bem-humorado, enfim… todas estas coisas, e outras mais, vão compondo o rascunho do que gostaríamos de encontrar em alguém; para uns, umas coisas mais do que outras, para outros, umas coisas primeiro do que outras. O importante é que temos uma ideia de como ela deve ser. Ora, isso condiciona a maneira de encarar a realidade à nossa volta, de como nos abrimos a ela, e se nos abrimos ou não à eventualidade dos outros e do acaso… Vivemos com a ideia do príncipe e da princesa encantados. Queremos e procuramos quem se ajuste à figura da pessoa que vamos idealizando, como se andássemos, com um sapato na mão, à procura do pé que há-de encaixar nele na perfeição. É engraçado como, muitas vezes, a forma como avaliamos os outros tende a roçar o nível de uma entrevista de emprego em que quase falta perguntar descaradamente: então, diz lá porque hei-de ficar contigo… o que tens para me oferecer, em que é que és especial?
E quando surge um(a) candidato/a prometedor(a), precipitamo-nos avidamente sobre ele/a sem a reflexão devida. Atiramos as culpas para o entusiasmo da paixão, mas, na verdade, agimos como verdadeiros predadores que, uma vez encontrada a presa certa, partem obstinadamente no seu encalço até a dominarem e satisfazerem o seu apetite.
Tudo, porque nos iludimos ao pensar que, com a pessoa que idealizamos para nós, havemos de ser paradisiacamente felizes. É a síndrome do príncipe perfeito de que falava antes… Mas, como alguém com graça já disse, nem mesmo aqui a tradição é o que era: antigamente, beijavam-se sapos e eles transformavam-se em príncipes encantados; hoje, há príncipes encantados que, ao primeiro beijo, se transformam em sapos…
Preocupamo-nos excessivamente com as características da outra pessoa e com o que isso diz de nós mesmos, desde o nosso bom gosto até um certo sentido de sucesso e realização pessoais. Já se reparou como é costume afirmar que determinada pessoa casou bem ou casou mal de acordo com a profissão do outro? Se for com um(a) médico/a, por exemplo, casou bem, mas se for com um(a) operário/a fabril já não casou tão bem (podia ter arranjado melhor!) … Não interessa que o/a dito/a médico/a seja o/a mais incompetente do mundo que ande a pôr em risco a vida das pessoas ou mesmo a matá-las! É médico!
Preocupamo-nos demasiado com rótulos e com aparências… Negligenciamos o que é essencial: a forma como nos relacionamos com os outros!
De que me vale, a mim que sou homem, casar com a mulher mais bonita, com a mais rica, a mais cobiçada, a mais inteligente, a mais divertida… com a mais perfeita do mundo inteiro, se, com ela, eu não conseguir ter uma relação de verdade, de respeito, de amor, de confiança, de diálogo, de entrega mútua… de cumplicidade? Nunca nos esqueçamos que a ideia de termos alguém por companheira pode ser bem mais interessante do que, efectivamente, a termos na realidade. Há fantasias que, quando realizadas, se revelam enormes desilusões.
É claro que devemos amar os outros por aquilo que são… Mas também os devemos amar por aquilo que temos com eles! Não é por eu casar com uma psicóloga que vai haver necessariamente mais diálogo e comunicação na minha relação com ela, nem é por eu casar com uma surda que o diálogo e a comunicação vão estar ausentes… Não façamos o nosso desejo centrar-se na expectativa de vir a encontrar alguém que seja de uma determinada forma, de acordo com os nossos gostos pessoais, mas, antes, desejemos, isso sim, uma relação de tal forma especial que consigamos sentir na pele que a soma das duas partes envolvidas faz nascer algo maior do que ambos. A diferença está entre esperar por um género de salvador que poderá ou não aparecer num dia de nevoeiro, ou trabalhar cada relação que se tenha com cuidado e atenção suficientes para perceber quando alguém nos faz sentir e nos faz ser especiais…