terça-feira, 30 de setembro de 2008


Todo o ser humano quer sentir-se bem consigo mesmo… numa palavra, quer sentir-se em paz. Ora, falar de paz é falar de equilíbrio e suficiência. Equilíbrio, no sentido de perceber o que não somos, aceitar o que somos e potenciar o que podemos ser. Suficiência, no sentido de se ter por assente que aquilo que somos, só por si, independentemente de sermos muito ou pouco, já é bastante para ser respeitado, considerado, amado… no fundo, para se achar em nós dignidade. Qualquer pessoa que não se ache digna, não consegue ter paz. Pode encontrar relativo sossego na resignação, mas isso não se confunde com ela. A paz é algo de positivo, a resignação, por seu turno, de negativo. A paz só se pode revelar no confronto da alma com a sua verdade e é filha primogénita da verdade com a auto-aceitação; já a resignação tende a ser desistência da verdade pelo trabalho a que ela obriga e é filha do desânimo com a mentira. Por isso mesmo, a resignação será um atalho sempre mais fácil de tomar, embora possa causar uma imensidão de dor de origem desconhecida, até difusa.

Deve perceber-se que este trilho em busca da nossa paz começa dentro de nós, passa pelo nosso meio envolvente, para acabar de volta em nós. Caminho boomerang ou yo-yo! É em nós, uma vez digerida a nossa relação com os outros na sua generalidade, que reside a chave da pacificação. Mas é imperioso que se resolva a nossa relação com os outros.

Todo o ser humano tem afecto por si mesmo, o chamado amor-próprio. Acontece, porém, muitas e muitas vezes, haver um desfasamento entre o nosso amor-próprio e o reconhecimento ou valor que o resto do mundo nos dá. Podemos gostar de nós, mas o mundo à nossa volta parece que não. Há como que duas interpretações contraditórias e conflituantes para a mesma realidade que somos, como se não houvesse sintonia entre nós e a gente! É, então, perfeitamente expectável que a dúvida se instale no nosso interior: quem tem razão e onde está a verdade? A eterna mãe da insegurança! E a insegurança põe-nos em cheque, põe em questão o nosso amor-próprio, a nossa auto-estima. Faz-nos duvidar, passar a não saber lidar connosco próprios, a não saber fazer uma apreciação, minimamente correcta, da pessoa que somos e que queremos ser. Torna-nos incapazes, porque suscita sentimentos, muitas vezes reprimidos, de vergonha, de inadaptação, de exclusão, de medo de vexame, entre outros, que, por sua vez, nos empurram para um certo acanhamento, isolacionismo… Conforme nos abrimos para o exterior, à medida que vamos crescendo, deixamos de nos ter a nós, à nossa consciência, à nossa fé em Deus (se a tivermos), como a medida com que nos avaliamos, para passarmos a encontrá-la nos outros, no seu olhar.

As pontes que estabelecemos com o exterior podem ser escravizadoras do nosso ego, se este não tiver arcaboiço suficiente para encontrar auto-confiança. Cada qual tem de descobrir que não são os outros que determinam quem eu sou, antes, sou eu próprio. Não é nos outros que reside a verdade absoluta, mas todos somos possuidores de uma verdade relativa, e, da minha verdade, só eu, e em mim, encontrarei a chave. Valorizar o que os outros valorizam, sem acreditar verdadeiramente nisso, apenas por condicionamento social, é não só cegar a nossa luz interior, como também permitir que, na cegueira com que nos ferimos, acabem por ser outros cegos a guiar-nos… Tornamo-nos iliteratos do nosso próprio coração por sermos demasiado fracos para o revelarmos na sua simplicidade. Tememos correr o risco de sermos tidos por errados, mas esquecemo-nos que, normalmente, sem correr o risco de errar, dificilmente conseguiremos acertar, dificilmente conseguiremos ser felizes. Não se pode ter medo de errar ou de que alguém nos goze por achar errados! Caso contrário, far-nos-emos escravos desse medo, refugiando-nos em subterfúgios.

A paz há-de vir com a liberdade que damos ao nosso coração para ele poder ser ele mesmo. A verdade nos fará livres… e a liberdade trará a paz.