sábado, 24 de janeiro de 2009

Há uma expressão que, aqui e ali, parece surgir, frequentemente, no meio de uma conversa, entre amigos, num café, num transporte público, andando na rua: “Oh, pá! Que queres? Não sou perfeito!...”
Quando ouço isto de alguém que eu sei que não acredita em Deus, não me surpreendo, nem me incomodo com o comentário. Quando, porém, o ouço de quem se diz crente, confesso que me espanto um pouco…
Siga-se o meu raciocínio! Diz-se imperfeito, algo que está ou é inacabado, incompleto, malfeito… Ora, se se crê em Deus, se se crê que Deus é o Criador, que é o Ser Perfeito em essência, Omnipotente, Omnisciente, Incapaz de errar e em Quem é impossível existir sim e não (contradição ou mutabilidade), então como sustentar que Ele foi capaz de criar uma obra imperfeita? Dizer-se isso do homem, é, implicitamente, reconhecer que, algures no momento da criação, Deus errou ou fez algo de mal. Mas como, se Deus é Perfeito? Indirectamente, ao afirmar-se a imperfeição do homem, está a negar-se a Deus, porque essa é a consequência última dessa afirmação. Se Deus é Perfeito, então nada que Ele faça pode ser imperfeito; mas se, ainda assim, fez o homem imperfeito, então também Deus não pode ser perfeito, então Deus não pode ser Deus…
Logo, das duas, uma: ou mantemos essa ideia sobre o homem (com a consequente negação de Deus) ou teremos de chegar à conclusão arrojada de que o homem, afinal, não é imperfeito!...
No entanto, de imediato, uma outra contradição parece surgir! Se Deus é o único Ser Perfeito (e isso mesmo, essa mesma qualidade faz Dele Deus), então como advogar que o homem também o é? Seria o mesmo que elevar o homem à qualidade de Deus… e, ao fazê-lo, seria o mesmo que negar a Deus!
A meu ver, a forma de ultrapassar este aparente impasse passa por reconhecer a existência de duas ordens de perfeição: a Perfeição Suprema, Plena ou Originária, por um lado, e, por outro, a perfeição derivada!
O que pode ser considerado Perfeito em comparação com Deus? A resposta deve surgir sem dificuldades: nada… Nada o pode ser, porque Ele é plenamente Perfeito! Ora, se se diz que o homem é imperfeito (porque se o está a pôr em confronto com Deus), não deveria ser necessário sequer fazê-lo, porque bastaria dizer tão-só que o homem é homem (e não Deus). Se Deus é o Ser Perfeito, e se o homem não é Deus, então ele terá necessariamente de ser qualquer coisa diferente da Perfeição. Não é necessário chamar imperfeita à natureza humana, basta dizer que ela é isso mesmo: humana!... E não divina!
Deve perceber-se que, face a Deus, tudo será imperfeito, tudo ficará a perder… Desde logo, porque tudo Lhe deve a existência, nada é por si mesmo a não ser Deus. Mas, partir disto, para se concluir que Ele andou a criar um conjunto de coisas imperfeitas, é um erro monumental! E é aqui que entra em acção o conceito de perfeição derivada: o de cada coisa servir integralmente os fins para os quais foi criada. O mar, o céu, a luz são perfeitos! Não plenamente perfeitos, claro, mas são-no de forma derivada, porque servem os fins para os quais foram criados.
Para quem tem uma identidade judaico-cristã, como eu tenho, não há contra-senso entre dois momentos das Sagradas Escrituras: um, é logo no início, no Génesis, onde se pode ler que Deus olhava para a obra criada e reconhecia que ela era boa; o outro, passa-se com Jesus. Alguém que não o reconhecia como Filho de Deus, tratou-o por “Bom Mestre”, ao que Jesus retorquiu, para o fazer pensar nessa sua contradição, perguntando (se não o via como Filho de Deus, subentendido) como o chamava de “bom” se só Deus era bom… De facto, então, podemos perguntar: se só Deus é bom, como entender que, nos Génesis, se afirme que Ele olhava para a obra feita e reconhecia que era boa?
Mais uma vez, a resposta encontra-se no reconhecimento dos dois níveis supra mencionados: o plano Supremo, Pleno ou Originário, e o plano derivado. Só Deus é Bom, porque em Deus está todo o Bem! Mas Deus reconhecia que as obras da sua criação eram boas, porque elas serviam os fins para os quais foram criadas… ou seja, eram boas no plano derivado!
Por tudo isto, não se diga que o homem é imperfeito! A quem o disser, eu contraponho: o homem é perfeito! O homem serve os fins para os quais foi criado: para ser Amigo de Deus e, consequentemente, para amar! O homem foi criado santo e destinava-se (destina-se!) à santidade! Os exemplos de pessoas que seguiram ou seguem esse caminho, no passado, bem como no presente, são provas de que nós servimos para esse fim! Eles fazem prova de que, se nos abrirmos a esse desafio, é caminho que conseguimos percorrer! Temos em nós os instrumentos para isso! Muitas vezes, recusamo-nos, isso sim, a fazer uso deles, ou a fazê-lo da maneira correcta… outras vezes, não sabemos mesmo fazer melhor uso! E isto remete-nos já não para o ser, a essência do homem, mas para o sendo, para o estar, para a acção. É aqui que se pode encontrar uma expressão para o homem mais adequada do que imperfeição. Ao invés dela, prefira-se outra: falibilidade! O homem é falível, apenas e só…
E esta expressão é tanto melhor quanto mais nos apercebermos que a imperfeição nos pode prender num fatalismo de indiferença (para quê tentar mais e melhor, se não sou perfeito?), enquanto a falibilidade impõe-nos, ainda assim, a necessidade de respondermos pelos nossos actos (o facto de ter limitações e de poder falhar, não me exime totalmente das minhas responsabilidades!).
Ser falível é sinónimo de poder cair, sim! Mas ser falível já não serve de desculpa para não nos reerguermos…

(Para quem não crê em Deus, imperfeito ou falível ou outra coisa qualquer… há-de tudo dar ao mesmo. Ser-lhes-á irrelevante, porque não interfere, nem colide com aquilo em que acreditam – ou, neste caso, com o que não acreditam. Eu compreendo! Compreendam, também, porém, que, para mim, que creio, já não é assim tão indiferente…)