terça-feira, 16 de setembro de 2008

O homem é um ser social. Vivemos em comunidade, relacionamo-nos uns com os outros e, consequentemente, expomos as nossas vidas ao olhar de terceiros. Mas quanto de nós é, de facto, revelado?
Quão bem nos conhecem as pessoas à nossa volta? E nós a elas?

Há uma afirmação que, muitas vezes, se ouve: “eu conheço-o muito bem!”… Na maioria dos casos, para além disto, há algo mais que a acompanha, uma evidente entoação na voz reveladora de um desejo de mostrar um certo poder por conhecer bem aquela pessoa, como se esse conhecimento lhes desse um ascendente sobre o outro. Acontece, contudo, que, não raras vezes, depois de muito nos gabarmos de como conhecemos bem fulano ou beltrano, acabamos por, num momento de grande surpresa, ter de admitir que, afinal, não era bem assim… Surpreendidos com algo que desconhecíamos de todo, somos obrigados a reconhecer, agora com uma boa dose de humildade, o quanto enganados estávamos.

A rotina, o quotidiano, o contacto diário com alguém em particular fazem, normalmente, fortalecer em nós uma ideia de segurança relativamente aos outros pelas expectativas que criamos mediante comportamentos passados. Esquecemos, porém, dois aspectos importantes.

Por um lado, as pessoas não são estanques, nem máquinas. Ou seja, o facto de, consistentemente, ao longo dos anos, alguém ter assumido um determinado comportamento, não significa por si só que o há-de fazer sempre até ao dia da morte, esteja esse dia longe ou perto. Por muito honesto que eu possa ser ao longo de uma vida inteira, isso não implica que o continue a ser no que me resta dela. Por muito que eu goste de um certo prato culinário anos a fio, isso não me impõe um dever de gostar dele para todo o sempre. Por muito que a minha forma de raciocínio se tenha mantido inalterada durante décadas, nada garante que não acabe mudando e revendo essa forma de ver e pensar o mundo. E isto vale para o bem e para o mal. O homem pode ser uma criatura de hábitos (os quais podem gerar expectativas legítimas), mas isso não lhe rouba a sua liberdade e a sua auto-determinação para poder seguir um caminho diferente a dada altura da vida.

Por outro lado, penso haver, no espírito de muitos, um erro de base: não somos nós que conhecemos um terceiro, mas, isso sim, é essa pessoa que se dá a conhecer… ou não! Podem conviver muito comigo, saber de cor e salteado os meus gestos e as minhas expressões, estar familiarizados com as minhas reacções, ter oportunidade de saber mil e uma coisas sobre mim… Isso pode ser tudo muito importante para descobrir muita coisa, mas nunca será suficiente para descobrir tudo! Os meus sonhos, os meus medos, a minha vontade mais íntima, os meus sentimentos… as minhas razões! É claro que podem ser todos eles denunciados por detalhes, pormenores ou reacções incontroladas, mas também é verdade que podem ser todos eles bem disfarçados… Para conhecermos bem uma pessoa dependemos dela e daquilo que ela nos dá: a sua verdade ou a sua mentira, a sua boa ou má-fé… E se, de facto, alguém nos dá a sua verdade, não sejamos presunçosos de pensar que temos um qualquer poder sobre ela, antes, sejamos humildes para perceber que nos foi dado um presente, confiado um segredo: o ser do outro.

É claro que tudo isto não é muito tranquilizador… Se isto é assim, se nos podemos sempre enganar acerca dos outros, ou, melhor dito, se os outros nos podem sempre enganar, então em quem podemos acreditar? Em quem confiar? Quem conhecemos efectivamente?

Tranquilizador não é, reconheço… deixo-me apenas render à verdade que descubro: é que, querendo ou não, acreditar em alguém, confiar em alguém, conhecer alguém é, sobretudo, um acto de fé!