quinta-feira, 26 de junho de 2008

Há muitas razões para nos envolvermos numa relação com outra pessoa… Aquela que, provavelmente todos nós, mais desejamos é que seja por paixão e por amor. Mas nem sempre isso acontece. E por muito triste que possa parecer, muitas vezes envolvemo-nos, apenas e só, porque nos faz falta alguém. Porque dentro de nós sentimos um vazio e procuramos alguém que, pelo menos, o diminua ou o torne tolerável. Esse vazio resume-se a uma carência: de afectos, de uma história em comum, de um sentimento e de uma experiência especiais… no fundo, de partilha, uma ligação com alguém.

A forma como se suspira por uma paixão, chegando mesmo a pensar-se que se precisa efectivamente disso, é sintomática. Quer-se algo, porque algo nos falta. Quer-se isto, porque isto preencheria o nosso vazio. Quer-se amar, porque nos apaixonámos pela ideia de amar. Parece tão bom, que o temos de ter para nós, que o temos de viver, que o temos de fazer nosso…

É-me fácil imaginar milhões e milhões de pessoas, derretidas em seu coração, cada qual em seu canto, no seu momento de solidão, de sonho e de fantasia, a ler a história de amor de um livro, a ver as paixões assolapadas de um filme no cinema, ou de uma série ou novela de televisão. Imagino-as a imaginarem-se como protagonistas dessas histórias. Imagino-as a imaginarem como seria passar por aquilo…

Hoje em dia, na sociedade ocidental, cultiva-se muito a ideia de se viver um grande e eterno amor. Somos verdadeiramente bombardeados com isso, praticamente desde que nascemos, com os contos de fadas e de gatas borralheiras. És tu, sou eu, somos todos… Um grande romance entre duas pessoas é como que o objectivo principal a que devemos aspirar nas nossas vidas, capaz até de justificar a nossa existência. Chega-se ao ponto de se defender que, sem ele, ela perde sentido. Como se fossemos ninguém por não estarmos apaixonados, ou fossemos qualquer coisa de menor; como se não valêssemos a pena, como se fossemos pela metade…

Expressões como alma gémea ou cara-metade ajudam precisamente a transmitir a ideia implícita, de uns para os outros, de não sermos completos ou inteiros. Somos apenas pela metade e dependemos de alguém para nos completar. Até encontrarmos essa pessoa, andamos perdidos, sobrevivemos apenas. A vida começará depois… Questão esta, do encontro entre as tais almas gémeas, que se liga com algo que reforça a ideia romântica: o destino. O amor que estava escrito nas estrelas, que o universo inteiro conspirava para que acontecesse! Aquele que se pode ler nos astros ou na palma da nossa mão…

No meio da nossa vida, da qual, muitas vezes, temos dificuldade em retirar um sentido claro, saber-se que se vive um romance repleto de inevitabilidade, algo tão forte que teria mesmo de acontecer, gera em nosso íntimo uma sensação de apaziguamento, de consolo… no fundo, de sentido. Nessa altura, fazemos parte de um plano maior que parece querer revelar-se para nós e fazer-nos confidentes do nosso próprio futuro.

Então, ao deixarmo-nos consumir por toda esta envolvência, inconscientemente criamos a necessidade de perseguir o amor, de nos apaixonarmos o mais depressa e intensamente possível. De nos entregarmos a uma relação só para nos sentirmos vivos… De tal forma, que chegamos a mentir para nós mesmos. Queremos tanto o tal romance, aquele que fará toda a diferença, que, em vez de deixar o amor ou a paixão acontecer, decide-se que se está apaixonado ou que se ama alguém. Em vez de deixá-lo vir ter connosco, vamos nós ao seu encontro, correndo o risco de tomarmos sombras ou reflexos enganadores por amor… Nem tudo o que brilha é ouro! Em vez de o deixar nascer em nós no seu devido tempo, provocamos o seu nascimento num parto prematuro que, por consequência, gera um fruto demasiado frágil e débil. Quantas vezes não acontece dizer-se “amo-te” sem que isso corresponda, de facto, ao nosso sentimento? Quantas vezes sem que o digamos com medo, com angústias, com hesitações, com a tristeza de saber, lá no fundo, que não é verdade? E, sem dar conta disso, desta forma, ao tentar saciar a nossa fome, vamos alimentando o nosso vazio. Deixamo-nos inebriar pelo calor do momento, embriagar pela ilusão que nos entretém para, anestesiados, ficarmos alheios à nossa dor. Apenas nos agarrando à esperança de que a outra pessoa ame por dois, que o seu sentimento seja suficiente.

Porque se quer viver o sonho demasiado depressa, abre-se a porta ao pesadelo… O romance, quando desejado de forma incontrolada, é um lobo que se veste com pele de cordeiro, que nos consome e nos pode entregar à insanidade. A vontade de se ver o pôr-do-sol a dois é tanta que se perde de vista os encantos que ele tem mesmo quando se está sozinho…

Se a vida pode ser mais bonita de viver quando se tem alguém ao lado para amar? Claro que sim! Mas não há somente um tipo de amor… nem o amor acontece apenas entre dois amantes. A vida está aí para ser partilhada, mas ser partilhada com aqueles que fazem parte do nosso presente, cada qual à sua maneira. Aproveitar-se o que se tem! Sem o desespero de se achar muito ou pouco, porque é nosso… Alegrar-se na amizade, na família, na cordialidade até entre estranhos. Quem disse já que, muitas vezes esperamos grandes coisas da vida, quando ela é feita de coisas pequeninas?

Dar-se espaço para ser hoje o que se é hoje! Dar-se tempo para respirar…

Correr atrás de uma ideia de romance, daquela coisa especial, é assumir implicitamente que o que se tem não é especial. Pensar que somos incompletos é diminuir a nossa dignidade, própria de qualquer ser humano. Imaginar que se está a perder algo de maior, que o resto do mundo parece ter ou parece viver, é dar-se o desassossego de uma frustração que nos devora por dentro…

Antes de se desejar o amor, deseje-se ainda mais o saber amar! Senão seremos como crianças que recebem um primeiro brinquedo e, mal começam a mexer nele, entusiasmados, logo o estragam, porque não sabiam como funcionava. Aprenda-se a amar… A perceber o que verdadeiramente significa, em suas consequências, querer-se o bem alheio… A compreender o quanto pode fazer feliz e o quanto pode doer essa coisa chamada amor… o quanto nos pode preencher e o quanto nos pode aborrecer.

Aprenda-se a amar e o amor há-de aparecer…