sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Comprei uns sapatos que me feriram os pés, atrás, no contacto do rebordo do sapato com o meu calcanhar. O meu andar alterou-se por causa disso, anda sofrido, algo inseguro e incerto, sempre à espera de mais uma pequena pontada de dor, reveladora da teimosa ferida que não há meio de cicatrizar. É engraçado como, por vezes, criamos os nossos próprios problemas! Admiramos algo, primeiro talvez só de longe, como por detrás de uma vitrina, mas depois ganhamos confiança para chegar mais perto e até provar. Podemos, inclusive imediatamente, ter um pressentimento de algo estar errado, de não ser o número certo ou não ser o melhor molde para as nossas características, mas, simultaneamente, agrada-nos tanto à vista que decidimos não lhe resistir, decidimos ceder ao risco. Queremos a sensação de posse, queremos o acesso ao que está em voga, queremos esquecer das consequências… Depois, ficamos desiludidos por aparecerem as feridas! Desiludidos e aparentemente surpreendidos, como se não tivéssemos sequer imaginado que tal pudesse vir a acontecer. E, normalmente, as feridas aparecem atrás, nada denunciando, à primeira vista, que algo vai mal, mas nós sabemos a nossa verdade, a nossa postura falsa de conforto, o nosso sorriso postiço. Passamos a andar diferentes, porque sentimos a dor que os outros parecem não perceber… Acabamos por desejar que aquilo passe, que desapareça esse desassossego que nos retira naturalidade, que nos intranquiliza e se torna fonte de insegurança. Demora a passar… E, mesmo quando passa, não nos livramos de uma marca persistente.
Há sapatos que não vale a pena comprar…