segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Dizer quem sou é tão simples quanto respirar… Eu sou o meu coração! Sei que, na nossa cultura, é mais comum identificar-se o coração com o amor, como símbolo do amor. Penso, porém, que pode e deve representar algo de mais profundo, algo como a nossa alma nua, representar a nossa verdade: sentimentos, desejos, expectativas, intenções, contradições, hipocrisias, mentiras, segredos, vergonha, ingenuidade, orgulho, valores, fé… afinal, as nossas motivações. O meu coração é o que eu sou despido de mim próprio. Talvez, por isso, o consigamos sentir dentro de nós, impondo o seu ritmo a todo o corpo, para nos recordar que somos mais do que a nossa aparência, que existe algo mais que nos preenche e nos valoriza. Funciona como lembrança perene daquela que deve ser a nossa principal luta na vida, a verdade que temos para conquistar: nós próprios. Já vem dos gregos desafiar-se cada qual a conhecer-se a si mesmo. E desengane-se quem acha que o alcançou, se nem sequer reconhece a batida do seu coração! Porque é quando se faz silêncio, que melhor a sentimos, aquela pulsação de vida e de intimidade que, de tão frágil, se perde da consciência na azáfama das obrigações. Por isso, não se tema o silêncio, ele é necessário para se fazer a maior descoberta de todas, para se evitar ter um estranho dentro do nosso peito, como que sempre batendo à nossa porta, mas sendo constantemente ignorado. Há quem, no entanto, tenha receio do que possa encontrar no reflexo desse espelho, receio de acabar por não gostar do que descobre de si mesmo. A mera hipótese teórica, de vir a sofrer, um pouco que seja, com isso, é suficiente para dar início à recusa ou à fuga… Daí se acolher, de bom grado, ocupações constantes que nos impeçam de ficar a sós, ainda que apenas por instantes. É que o risco de sofrer encandeia a compreensão, deixa-a cega, ofuscada. A dor é imediatamente tida como algo de mau e como inutilidade. Não se percebe que, muitas vezes, ela serve de ponte entre duas margens: de um lado, ficar-se na mesma, e, do outro, amadurecer-se. Evita-se tudo o que possa assumir uma conotação depressiva. Repare-se, porém, na ironia da sociedade hodierna ser caracterizada por um aumento substancial de casos de depressão e da necessidade de recurso a fármacos, ansiolíticos e anti-depressivos. Precisamente por não se ter a atitude saudável de se perceber e aceitar que há um tempo para tudo na vida, inclusivamente para sofrer e chorar… assim como para limpar o rosto e levantar a cabeça! O que não se deve fazer é, isso sim, varrermo-nos, e à nossa verdade, para debaixo do tapete, impondo-nos a tirania de um espírito de festa constante. Quando a hora chega, há que saber chorar, para lavar de fresco o nosso ânimo. Contudo, muitos hão que se recusam a fazê-lo. Desconhecem a beleza que se encerra nas lágrimas. Elas são o sangue de uma alma, de um coração que se põe a descoberto. Transparentes como a água, tornam-se o reflexo do nosso momento de vulnerabilidade, em que permitimos que a nossa verdade se revele aos outros, translúcida. Não só isso, mas também o senti-las, provar-lhes o sabor à medida que elas chegam aos lábios depois de sulcarem leitos de rios breves que desaguam na boca. Quentes e doces! Estranha consolação esta, que a natureza nos dá, de, nas ocasiões mais difíceis, nos fazer chegar, directamente do nosso íntimo, o fruto doce da nossa dor e da nossa angústia. Como se, no desespero frio e amargo, nos convidasse, pela doçura contrastante da lágrima, a descobrir nela a esperança. Eu sou o meu coração… e o meu coração bate, dentro de mim, falando comigo… e eu paro para o escutar… Ele é uma boa companhia e um bom amigo!