segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Ontem, bateu-me à porta a saudade.

Ao princípio, não a reconheci. Vinha vestida de luto, num corpo de homem de pele cansada, hesitante no andar e curvado para a frente pelo peso da idade. Falou-me de parentes idos, levados pela morte; falou-me dos laços que nos uniam, já soltos e apagados pelo tempo e pela distância; falou-me da sua promessa em fazer por saber novas da família afastada, numa tentativa inconfessada de entrelaçar o passado com o futuro… Trazia no rosto uma expressão de expectativa de desabafo, a esperança de poder partilhar a dor da solidão. Estava a fazer meio ano que a sua mulher falecera, meio ano de vazio, meio ano de desnorte, meio ano em que os pés aprenderam a direcção do cemitério, até à sua campa, para encurtar a distância entre a vida e a morte… Falou-me com o mar nos olhos e um rio de cada lado da face, descendo por ela abaixo.

Foi, então, que a reconheci! Na fragilidade de uma humanidade vencida por já não ver sentido em certa vergonha ou pudor… Na transparência de um sofrimento que só quer ter o direito de se manifestar. No desejo de encontrar, na atenção de um outro, um pouco de compaixão que confirme que o seu sentimento não é menor por ser velho. Na luta por fazer o passado mais presente, através da partilha das memórias, essas que já só parecem servir para assombrar o coração.

Bateste-me à porta, saudade, sem te anunciares devidamente… Mas, por fim, te reconheci!