terça-feira, 24 de março de 2009

Há dias em que a folha de papel em branco parece infinitamente maior do que nós. Tão pequenos nos sentimos… Tão vazios! Escondemo-nos, então, nas coisas do quotidiano, nas pequenas decisões do dia-a-dia. Cheios de pouco, enchemo-nos do nada que nos vai ocupando. Por vezes até, apressamos o ritmo de tudo, pomos o pé no acelerador… ou para não termos tempo para pensar de todo ou para nos cansarmos propositadamente de forma a podermo-nos queixar disto ou daquilo, de forma a cairmos de exaustão como frutos a cair de maduros.
Há dias em que sentimos medo da folha de papel em branco. E se ela for o meu melhor espelho? E se eu estiver assim: em branco, vazio? O que é que isso diz de mim? É que o vazio, mais do que nada dizer, qualifica-nos de insípidos, o vazio levanta questões, incomoda, traz desconforto. Como um currículo tem de estar enfeitado com verdades e mentiras, também eu tenho de me enfeitar… e se não posso usar diamantes, ouro ou pedras preciosas, espera-se de mim que disfarce isso com imitações. Com imitações, bugigangas, pechisbeques, quinquilharias e, sobretudo, um sorriso descarado!
Mas e se, ainda assim, a folha de papel, mesmo rabiscada, continuar em branco? O medo que se sentia, vai agora ser sentido também pela folha rabiscada, porque alguém pode ler nas entrelinhas e perceber que aquilo é nada, alguém pode olhar para os meus enfeites e perceber que são imitações, alguém pode pressentir no meu sorriso o desconforto que me causa a sua falsidade… Já não se teme apenas o juízo que se faça do pouco que se tem, mas passa-se a temer que se desmascare a nossa tentativa de encobrimento da realidade. Teme-se a verdade por parecer sem valor, e teme-se a descoberta da mentira, fabricada para encobrir essa verdade…
E, entretanto, a folha de papel em branco continua à nossa espera… À nossa espera e, mais do que isso, à espera de nós vertidos nela. É que ela não está interessada em ser preenchida só pelo muito ou pelo espectacular! O seu interesse está em ser preenchida pela nossa verdade, pelo nosso coração, pela nossa nudez. Ela sente-se honrada em vestir e ostentar, não as palavras da nossa vaidade, mas as da simplicidade do nosso ser. Como se isso fosse suficiente… Como se isso já valesse a pena… Como se nos reconhecesse valor!
Então, a folha de papel em branco abre-se-nos de par em par para nos abraçar, para abraçar o nosso ser. De repente, o pequeno que sou, se agiganta, porque é importante… Derramo-me no papel como um rio no mar! Evaporo no seu branco como água no ar! Espalho-me por entre linhas desalinhadas como as estrelas a sua luz pelo espaço… Faço dela a minha casa… Faço dela o meu lar!
Há dias em que só quero uma folha de papel em branco para me deitar.

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